Notícias

A modulação dos efeitos da ADI 5.322

O acórdão que examinou o mérito da ADI 5.322 foi publicado em 30 de agosto de 2023 e declarou constitucionais os seguintes temas da Lei 13.103/15:

1) Redução do intervalo para refeição através de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho (CLT, artigo 71, parágrafo 5);

2) Exame toxicológico de larga janela de detecção (CLT, artigo 168, parágrafo 6º e 7º e CTB, artigo 148-A);

3) Aplicação da Lei 13.103/15 apenas ao motorista empregado (CLT, 235-A);

4) Prorrogação da jornada em até 4 horas extras por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho (CLT, 235-C, caput);

5) Jornada de trabalho flexível (CLT, 235-C, parágrafo 13º);

6) Dispensa do motorista do serviço, após o cumprimento da jornada normal em viagens de longas distâncias (CLT, 235-D, parágrafo 3º);

7) Extrapolação da jornada pelo tempo necessário para chegada a um local seguro ou ao seu destino (CLT, art.235-D, parágrafo 6º);

8) Intervalo de repouso diário nos casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo embarcado (CLT, 235-D, parágrafo 7º);

9) Condições de trabalho específicas para o transporte de cargas vivas, perecíveis e especiais em longas distâncias ou no exterior (CLT, 235-D, parágrafo 8º);

10) Jornada de 12 x 36 através de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho (CLT, artigo 235-F);

11) Remuneração variável através de comissões observada a segurança (CLT, 235-G);

12) Limite tempo de direção (CTB, artigo 67-C);

13) Condições de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de descanso (Lei 13.103, artigo 9º);

14) Transportador Autônomo de Cargas Auxiliar (Lei 13.103, artigo 15 que alterou o artigo 4º, parágrafo 3º da Lei 11.442);

15) Conversão de multas em advertência (Lei 13.103, artigo 22).

Entretanto, foram declarados inconstitucionais os seguintes temas que geram impactos econômicos e operacionais nefastos às empresas de transporte de cargas:

1) Fracionamento do intervalo interjornada de 11 horas (CLT, artigo 235-C parágrafo 3º, e artigo 67-C, parágrafo 3º, do CTB) e (CTB, artigo 67-C, parágrafo 3º);

2) Possibilidade de gozo do DSR no retorno do motorista à base ou ao seu domicílio em viagens de longa distância (CLT, 235-D, caput);

3) Cumulatividade de DSR (até 3) em viagens de longas distâncias (CLT, artigo 235-D, parágrafo 2º);

4) Fracionamento do DSR em 2 períodos em viagens de longas distâncias, sendo um destes de, no mínimo 30 horas ininterruptas (CLT, artigo 235-D, parágrafo 1º);

5) Tempo de espera (CLT, artigo 235-C parágrafo 1º, 8º e 12º) e indenização de 30% do salário-hora normal (CLT, artigo 235-C, parágrafo 9º);

6) Repouso com o veículo em movimento no caso de viagens em dupla de motoristas (CLT, artigo 235-D, parágrafo 5º — TRC) e (CLT, artigo 235-E, III — TRP).

O acórdão foi omisso em relação à modulação dos efeitos da decisão, que é a faculdade de restringir a eficácia da decisão de inconstitucionalidade a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento fixado no acórdão (artigo 27 da Lei 9.868/99), tendo causado muita preocupação do segmento econômico do transporte rodoviário de cargas com o risco de aplicação retroativa da decisão, desde a sua publicação em 2015, em razão dos itens declarados inconstitucionais.

Assim, houve interposição de quatro embargos de declaração para que fosse sanada a omissão do acórdão em relação a este aspecto.

Em 5 de setembro de 2023, houve interposição de Embargos de Declaração pela CNTTT (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres) e pela CNT (Confederação Nacional do Transporte), em petição conjunta, onde ambas entidades pretenderam obter do STF a modulação dos efeitos da decisão para que fossem concedidos efeitos “ex nunc” (sem retroatividade) à decisão proferida na ADI 5.322, afastando a possibilidade de incidência do elevado passivo estimado em R$ 255 bilhões e os preocupantes impactos operacionais e financeiros decorrentes da decisão.

Nos seus embargos de declaração, a CNTTT também requereu que o STF se manifestasse sobre a possibilidade de submissão dos temas tratados na ADI 5.322 ao precedente ARE 1.121.633 (Tema 1.046) e que autorizasse submetê-los à negociação coletiva.

Em 5 de setembro de 2023, houve embargos de declaração da Procuradoria-Geral da República, requerendo também a modulação dos efeitos “ex nunc” da decisão e, em 6 de setembro de 2023, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) requereu o ingresso nos autos como “amicus curiae” e também interpôs embargos de declaração postulando a modulação dos efeitos da decisão sem efeitos retroativos e a partir de dois anos após o trânsito em julgado.

Em 2 de agosto de 2024, teve início o julgamento virtual dos embargos de declaração e, em 12 de agosto de 2024, foi suspenso o julgamento em razão do pedido de vista do ministro Dias Toffoli.

Em 20 de setembro de 2024, o processo foi incluindo novamente em pauta de julgamento virtual no período de 4 de outubro de 2024 a 11 de outubro 2024, tendo sido concluído em 11 de outubro de 2024 e, em 16 de outubro 2024 foi publicada a ata de julgamento onde prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que aplicou a jurisprudência do STF no sentido de que nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, terceiros não integrantes da relação processual não possuem legitimidade para apresentar pedidos ou interpor recursos, não conhecendo dos embargos de declaração da CNT que figura no processo como “amicus curiae” e da CNI que sequer foi admitida como “amicus curiae”, prevalecendo a tese da ilegitimidade recursal. Não houve manifestação no voto do relator sobre os embargos de declaração da Procuradoria-Geral da República.

Passivo trabalhista bilionário

Em relação aos embargos de declaração da CNTTT, que é autora da ação, os mesmos foram acolhidos parcialmente pelo relator e no que pertine ao pedido de modulação dos efeitos da decisão o voto reconhece que os impactos da decisão no segmento econômico do transporte rodoviário de cargas, a prevalecer os efeitos retroativos da decisão, acarretaria um passivo trabalhista superior a 250 bilhões de reais, considerando que a legislação impugnada vigeu por mais de 10 anos, acolhendo os fundamentos apresentados nos embargos de declaração da CNT e da CNI e que justificam o pedido de modulação dos efeitos.

Dessa forma, na esteira de jurisprudência da Corte, o relator acolheu o pedido de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade para atribuir-lhes eficácia “ex nunc”, a contar da publicação da ata do julgamento do mérito da ADI 5.322, ou seja, a partir de 12 de julho de 2023.

No que tange ao segundo pedido constante dos embargos de declaração da CNTTT, ou seja, a possibilidade de submissão dos temas tratados na ADI 5322 em negociação coletiva com fundamento no precedente ARE 1.121.633 (Tema 1.046), o relator destacou que na própria ementa da referida ADI ficou consignado o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas com fundamento no artigo 7º, XXVI, da Constituição.

O acórdão dos embargos de declaração na ADI 5322 foi publicado em 29 de outubro de 2024 e traz a seguinte ementa:

“EMENTA: REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE MOTORISTA. LEI 13.103/2015. RECONHECIMENTO DA AUTONOMIA DAS NEGOCIAÇÕES COLETIVAS (CF, ART. 7º, XXVI). SITUAÇÃO DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO E SOCIAL QUE PERMITE A MODULAÇÃO DE EFEITOS EX NUNC. GARANTIA DE SEGURANÇA JURÍDICA. EMBARGOS DA AUTORA PARCIALMENTE ACOLHIDOS.

1. Nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, terceiros estranhos à relação jurídico-processual não possuem legitimidade para apresentar pedido ou interpor recursos, conforme disposição do art. 7º da Lei 9.868/1999 e do art. 169, § 2º, do RISTF.

Precedentes. Da mesma maneira, amicus curiae não possui legitimidade para interpor recursos em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes.

2. O PLENÁRIO reconheceu a autonomia das negociações coletivas (art. 7º, XXVI, da CF) ao afirmar a constitucionalidade da redução e/ou fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas profissionais, desde que ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho 3. A jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL admite o conhecimento de embargos declaratórios para a modulação da eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade, desde que estejam presentes o excepcional interesse público e social, bem como razões de segurança jurídica, os quais justificam o parcial acolhimento do pedido para conferir efeitos ex nunc ao acórdão embargado.

4. NÃO CONHECIMENTO dos Embargos de Declaração opostos pela Confederação Nacional da Indústria – CNI e pela Confederação Nacional do Transporte – CNT.

5. CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO dos embargos de Declaração opostos pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT para (a) reiterar o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas (art. 7º, XXVI, da CF); (b) modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, atribuir-lhes eficácia ex nunc, a contar da publicação da ata do julgamento de mérito desta ação direta.”

O julgamento foi do Plenário do STF e por unanimidade prevaleceu o voto do ministro relator Alexandre de Moraes no seguinte sentido: 1) Não foram conhecidos os embargos de declaração opostos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Confederação Nacional do Transporte (CNT) e; 2) Foram acolhidos parcialmente os embargos de declaração da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT) para: a) reiterar o reconhecimento da autoridade das negociações coletivas (artigo 7, XXVI, da CF); b) Modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade e atribuir-lhes eficácia “ex nunc” (sem retroatividade), a contar da publicação da ata de julgamento do mérito da ADI 5322.

Efeitos a partir da publicação

Com a referida decisão, não há dúvidas de que o mérito da ADI 5.322 surte efeitos apenas a contar da data da publicação da ata de julgamento, ou seja, a partir de 12 de julho de 2023.

Dessa forma, a partir de 12 de julho 2023 é que passa a valer tanto a declaração de constitucionalidade de vários temas da Lei 13.103/15 quanto a inconstitucionalidade dos seguintes itens:

1) Fracionamento do intervalo interjornada de 11h00 (CLT, artigo 235-C parágrafo 3º, e artigo 67-C, parágrafo 3º, do CTB) e (CTB, artigo 67-C, parágrafo 3º);

2) Possibilidade de gozo do DSR no retorno do motorista à base ou ao seu domicílio em viagens de longa distância (CLT, 235-D, caput);

3) Cumulatividade de DSR (até 3) em viagens de longas distâncias (CLT, artigo 235-D, parágrafo 2º);

4) Fracionamento do DSR em 2 períodos em viagens de longas distâncias, sendo um destes de, no mínimo 30 horas ininterruptas (CLT, artigo 235-D, parágrafo 1º);

5) Tempo de espera (CLT, artigo 235-C parágrafo 1º, 8º e 12º) e indenização de 30% do salário-hora normal (CLT, artigo 235-C, parágrafo 9º);

6) Repouso com o veículo em movimento no caso de viagens em dupla de motoristas (CLT, artigo 235-D, parágrafo 5º e CLT, artigo 235-E, III).

Vale destacar que as empresas de transporte de cargas devem estar cumprindo a decisão de mérito da ADI 5322 desde 12 de julho de 2023 sob pena de acumularem um passivo trabalhista.

Decisões a serem reformadas

Outro aspecto importante é que há fundamentos legais e jurídicos para que as decisões judiciais que aplicaram retroativamente a decisão do STF na ADI 5.322 sejam reformadas, pois tais decisões somente podem considerar os efeitos a partir de 12 de julho de 2023, data da publicação da ata de julgamento de mérito, como restou decidido no acórdão em embargos de declaração.

Caso haja algum processo trabalhista já julgado aplicando a decisão da ADI 5.322 antes de 12 de julho de 2023, entendemos que a modulação dos efeitos pode ser invocada em sede de recurso, desde que respeitado o prazo legal para interposição e os requisitos de admissibilidade.

A modulação dos efeitos da decisão também pode ser arguida em fase de liquidação de sentença, tendo em vista o caráter “erga omnes” da decisão do STF e considerando que se trata de fato superveniente que deve ser considerado pelo juiz (Constituição, artigo 102, parágrafo 2º, e CPC, artigo 493), podendo ser alegado inclusive a inexigibilidade da obrigação (CPC, artigo 525, § 1º, inciso III).

Caso a decisão judicial tenha dado efeitos à ADI 5.322 anteriormente a 12 de julho de 2023 e já tenha transitado em julgado, entendemos ser cabível ação rescisória, com fundamento nos artigos 525, §15, 927, I, e 966, todos do CPC, observado o prazo decadencial de dois anos a contar do trânsito em julgado (CPC, artigo 495).

Nos casos onde houver decisão judicial que descumpra a modulação dos efeitos contida no acórdão dos embargos de declaração na ADI 5.322, cabe reclamação constitucional no STF com fundamento nos artigos 102, I, ‘l’ e 105, I, letra ‘f’ da Constituição e artigo 988, III e IV, do CPC.

Negociação coletiva

No que pertine à possibilidade de negociação coletiva dos itens declarados inconstitucionais pelo STF, o acórdão dá provimento parcial aos embargos de declaração da CNTTT para reiterar o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas com fundamento no artigo 7º, XXVI da Constituição, enfatizando que na própria ementa da decisão de mérito da ADI 5.322, ficou constando no item 3 “o reconhecimento da autonomia das negociações coletivas e a constitucionalidade da redução e/ou fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas profissionais, desde que ajustado em acordo ou convenção coletiva”.

Conquanto o voto do ministro relator não seja claro sobre a possibilidade de tratar em negociação coletiva os temas da Lei 13.103/15 declarados inconstitucionais pelo STF na ADI 5.322, vale destacar o voto convergente do ministro Dias Toffoli, contido no acórdão dos embargos de declaração que, acompanhando integralmente o ministro relator ressalta, entretanto, que a “submissão dos temas tratados às negociações coletivas, como acolhido no voto do eminente ministro relator, poderá otimizar o cumprimento do acórdão proferido em proveito do próprio trabalhador, o qual, diante de viagens longas, pode preferir acumular e usufruir seu legítimo direito ao descanso de maneira cumulativa, em proveito da própria família”.

O voto convergente de Toffoli, em nossa opinião pessoal, aponta para a possibilidade de negociação coletiva, desde que reste demonstrada a compatibilidade com o disposto no artigo 7º, XXVI da Constituição e os benefícios para o motorista profissional.

Os limites e as alternativas juridicamente viáveis para adoção da negociação coletiva para possibilitar a melhor adequação das alterações trazidas na Lei 13.103/15 pela ADI 5.322 será um desafio a ser enfrentado pelas entidades sindicais representativas dos trabalhadores e das empresas de transporte de cargas e merece um estudo jurídico mais aprofundado sobre o tema.

Trata-se de uma decisão de grande relevância para o transporte rodoviário de cargas e que traz maior segurança jurídica ao segmento econômico do transporte rodoviário de cargas na medida em que o STF modula os efeitos da decisão.

Fonte: Adaptável do Consultor Jurídico